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Auxílio Emergencial

Barbara Marques


Mestranda em Antropologia Social na UnB



Ieda é uma mulher de 26 anos e mãe de quatro crianças, Augusto e Jaime, de oito e sete anos, Ruan, de cinco, e Maria Eduarda, de um ano. Sua família mora na grande região metropolitana de Recife, em um habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida. A renda da família é composta pela pensão vitalícia de Ruan, que nasceu com a Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ), pelas pensões alimentícias pagas pelos pais de Augusto e Jaime e pelo dinheiro dos bolos, salgados e doces que Ieda faz em casa para ter sua própria renda.


A epidemia de Covid-19 não é a primeira que Ieda e seus filhos enfrentam. Em 2015 receberam o diagnóstico que Ruan nasceria com microcefalia em decorrência da infecção pelo Vírus Zika durante sua gestação. Na época, o Brasil enfrentava uma das maiores epidemias de Zika já vistas no mundo. Os estados do nordeste do país foram os mais afetados pela epidemia, que ocasionou diversos nascimentos de crianças com a SCVZ. A infecção pelo Vírus Zika, na época, atingiu em sua maioria as mulheres negras e pobres que habitavam regiões com saneamento básico precário.


A crise sanitária vivida em 2015 por Ieda e muitas outras mulheres fez com que elas se politizassem e reivindicassem os direitos de seus filhos junto ao Estado. A epidemia de Zika foi compreendida por essas mulheres como uma “situação de calamidade pública” em que o Estado não cumpriu com seu papel de promover saúde e saneamento básico à população. Por isso, seria dever do Estado promover formas de auxílio à essas mulheres e seus filhos. Uma das primeiras reivindicações foi o direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) às crianças de micro, o que já era direito da pessoa com deficiência e foi transformado em direito também de todas as crianças que nasceram com a síndrome. Recentemente, em 2019, foi sancionada a lei que transformou esse BPC em pensão vitalícia, garantindo renda permanente às crianças que nasceram com microcefalia. O acesso à pensão vitalícia foi garantido às crianças que nasceram até o ano de 2019, que já recebiam o benefício de prestação continuada e que conseguiram comprovar em perícia médica a infecção pelo Vírus Zika durante a epidemia (MARQUES, 2020).


O direito e acesso ao transporte gratuito para as consultas e terapias também foi pleiteado e conquistado. Além do passe livre, as mães e crianças têm direito ao transporte municipal, um carro/van que as leva e busca nos dias de terapias e consultas. Outro direito conquistado por essas mães foi o da moradia. Muitas famílias afetadas pela epidemia moravam de aluguel ou em locais com saneamento e estrutura precária para os cuidados de seus filhos. O Programa Minha Casa Minha Vida desde seu lançamento assegura uma porcentagem de suas habitações a pessoas com deficiência. Após a pressão das mães e ONGs no estado de Pernambuco, esse número aumentou e fez com que muitas famílias atingidas pela síndrome conseguissem moradia.


Ieda e seus filhos, juntamente com outras famílias de crianças com a SCVZ, conseguiram uma vaga no programa. O habitacional de Ieda fica há alguns quilômetros da capital, em uma área que pode ser considerada rural pela dificuldade de acesso e pela paisagem que mistura casas e vegetação. O sinal das operadoras de celular é limitado, poucas funcionam. Algumas pessoas têm wi-fi em casa, contratado de uma empresa particular da cidade em que o habitacional se localiza.

A epidemia de Covid-19 alterou a rotina da família, as aulas das crianças foram suspensas e as consultas e terapias de Ruan também. Ieda não saía muito de casa: fora a rotina de terapias de Ruan, seus compromissos se limitavam a fazer a feira do mês e às raras visitas a casa de seus pais. Além do cuidado com Ruan e seus outros filhos, Ieda também se dedicava ao seu trabalho como confeiteira. Sua clientela é quase toda do habitacional, o que às vezes limita a diversidade dos seus produtos e os preços. Grande parte das famílias do condomínio são de baixa renda.


Os dias de isolamento social têm sido trabalhosos, já que com todas as crianças em casa a atenção vai quase toda para o cuidado e para o trabalho doméstico. Recentemente Ieda e muitos outros brasileiros foram contemplados com o Auxílio Emergencial, promovido pelo Governo Federal para assegurar a economia durante a epidemia de Covid-19. Mas, assim como muitas outras pessoas, Ieda teve dificuldade para acessar a primeira parcela do auxílio; não conseguia usar o aplicativo disponibilizado pela Caixa Econômica Federal e que necessitava do código de verificação para ser liberado. Sem sinal de sua operadora, Ieda precisou se deslocar até o centro de sua cidade para conseguir ativar o aplicativo e só depois de esperar bastante conseguiu sacar o tão esperado dinheiro.


Sair de casa em tempos de Corona Vírus é sempre uma tensão. Ieda, assim como as outras mães de micro, estava muito temerosa com relação à saúde de sua família, principalmente de Ruan, considerado parte do grupo de risco. Para sair de casa precisou fazer alguns arranjos, aproveitou para ir até o centro no dia em que fosse fazer a feira. Deixou as crianças em casa sob os cuidados de sua vizinha e, sozinha com sua máscara e álcool em gel na bolsa, pegou o ônibus. Apesar de ter saído cedo de casa, enfrentou uma grande fila na agência da Caixa Econômica de sua cidade, ficou preocupada por estar se expondo ao risco dessa forma. Mas, assim como outros milhões de brasileiros, precisava do dinheiro.

As dificuldades enfrentadas por Ieda para realizar o saque do seu Auxílio Emergencial não são diferentes daquelas enfrentadas pela população beneficiária do auxílio, mas apresentam o agravante de um de seus filhos fazer parte do grupo de risco para a doença, deixando-a preocupada que sua locomoção a fizesse transmissora do vírus para o filho. A necessidade falava mais alto. Diante de um cenário cada dia mais incerto, o auxílio viria muito bem a calhar. Enquanto estava na fila para sacar o auxílio, Ieda resolveu o problema de instalação do aplicativo no celular e gerou o código para saque. Depois de longas horas de espera e apreensão, foi até o mercado para fazer as compras do mês. Aproveitou que estava com um pouco mais de dinheiro para comprar em maior quantidade os itens da cesta básica, o leite das crianças e o material para produzir seus bolos, salgados e doces. Sem saber do futuro, achou melhor investir em formas de manter a renda de sua família pelos próximos meses com a venda de suas guloseimas.


Publicado originalmente na Rede Covid-19 Humanidades

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