top of page

Acorda mãozinha, sem preguiça

Barbara Marques antropóloga e mestranda em Antropologia Social na Universidade de Brasília barbaraa.marciano@gmail.com

O sol ainda não havia saído completamente, uma brisa fresca aliviava o calor que já vinha surgindo àquela hora da manhã. Jade empurrava o carrinho de Liz hora pela calçada, hora pela rua, sempre passando pelo trecho menos esburacado para as rodinhas. Jade e Liz percorreram um longo caminho até o centro de terapias. Com os olhos pesados de sono, Jade resolveu parar em uma barraquinha e pedir um café com um pedaço de bolo. Liz dormia profundamente enrolada em sua mantinha cor de rosa. O dia anterior não fora nada fácil, a noite mais difícil ainda. Liz havia tido uma convulsão que a preocupou muito e, mesmo depois da filha medicada e já dormindo mais tranquila, Jade não conseguiu dormir. Hoje a agenda das duas estava cheia e elas muito cansadas, pela manhã havia terapia e, depois, no início da tarde, consulta com a médica gastrologista Luísa. Por isso, voltariam para casa só ao final do dia. Naquela manhã, antes de despertar Liz, Jade pensou bastante se conseguiria cumprir os compromissos do dia, mas achou melhor seguir em frente, pois não é bom faltar às terapias e consultas com o risco de perder a vaga.

Depois de tomar seu café com bolo, Jade seguiu empurrando o carrinho de Liz até a terapia que ficava alguns metros depois a barraquinha de café. Enquanto aguardava na sala de espera para a fisioterapia de Liz, Jade respirava profundamente, às vezes abria e fechava os olhos lentamente, o café não havia espantado o sono. Um silêncio pairava no ar, mas logo chegou a vez da criança entrar. Jade com um gemido tira Liz do carrinho e a coloca em uma cadeirinha em frente à fisioterapeuta. Liz está sonolenta, com o pescoço molinho, pendendo para o lado direito, os olhinhos estavam quase fechados. Havia uma mesinha em frente à cadeirinha de Liz com vários potinhos e bolinhas coloridas, azuis e amarelas. Bem devagarinho, a terapeuta começa em um tom melódico "Acorda, mão", acariciando as mãozinhas de Liz que responde abrindo um pouco os olhinhos. Depois coloca a mão de Liz em uma bolinha azul e leva ao potinho azul. Depois pega uma bolinha amarela e diz "Agora é a sua vez, você consegue", Jade que estava com o olhar distante chega perto da filha e com um sorriso diz "Vai Liz, vai Liz!".

Liz abre mais os olhinhos, levanta um pouco a cabeça e olha a mãe, esboça um leve sorriso no cantinho da boca. Depois, a menina aperta a bolinha que é pouco maior que sua mão e a leva ao potinho amarelo. Jade bate palmas para filha e continua a incentivando a colocar as bolinhas em seus respectivos potes. Ela repete mais uma vez, mas aos poucos, Liz, vai ficando recolhida, cansada, o pescoço pendendo para o lado direito novamente e seus olhinhos se fechando sonolentos. Neste momento, Jade pega um chocalho que estava ali por perto no tatame emborrachado e balança ritmadamente, mexendo os quadris e cantarolando "Acorda mãozinha, sem preguiça! Vai Liz, pega a bolinha e acorda mãozinha". Liz esboça um sorriso e mostra seus dentinhos.

Quando chega à última bolinha, Liz já não presta mais atenção e desanima de novo. A fisioterapeuta alisa sua mão e diz mais uma vez carinhosamente "Acorda mãozinha, é a última bolinha". Jade pega o celular para filmar o desempenho da filha e começa novamente a cantoria "Vai Liz, pega a bolinha! Vai Liz, acorda mãozinha!". Liz pega a bolinha com força, mas não quer soltar, a terapeuta tenta abrir sua mão para que a bolinha caia no pote, Jade, mais uma vez, incentiva e com a mão livre balança o chocalho "Parabéns, Liz, tá de parabéns, que legal, a Liz é sensacional". Isso faz com que Liz solte a bolinha e também produza um risinho tímido. Jade registra o momento com um pequeno vídeo que servirá para mostrar a seu marido e familiares a evolução de Liz nas terapias.

Encerrada a sessão de terapia, a mãozinha poderia descansar e dormir até seu próximo compromisso. A agenda de Jade e também de outras "mães de micro" é sempre cheia de consultas e terapias. Dentro de suas possibilidades, as mães tentam pensar sua rotina da melhor maneira, conciliando toda quantidade de especialistas que precisam visitar semanalmente e também as rotas e horários do transporte oferecido pela prefeitura das cidades em que vivem. Frequentar terapias e consultas é compreendido como essencial para o desenvolvimento das crianças que nasceram com a Síndrome congênita do Vírus Zika, em decorrência da epidemia que assolou o Brasil em 2016.

É a partir das terapias que as crianças desenvolvem habilidades motoras e sensoriais. Por isso, tanta torcida das mães, cada avanço é uma comemoração e merece ser registrado. O esforço, cansaço e sonolência é compensado pelas habilidades adquiridas pelas crianças que frequentam as terapias.

bottom of page