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Minha casa, Minha vida: a espera de uma família afetada pela epidemia do Zika Vírus em Pernambuco


Thais Valim

Antropóloga, Universidade de Brasília

No segundo semestre de 2015, foi registrada uma repentina elevação de casos de microcefalia no Brasil, especialmente no Nordeste. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco (SES/PE), a taxa de incidência pulou de nove casos anuais para 54 ocorrências observadas apenas no mês de outubro daquele ano em Recife. Após intensa investigação realizada pelo Ministério da Saúde (MS), em parceria com especialistas das mais diversas áreas, foi concluído que o aumento abrupto de notificações estava associado à infecção pelo Zika vírus, arbovírus cuja circulação havia sido confirmada pelo MS no primeiro semestre daquele ano.

A conexão entre Zika e microcefalia preocupou tanto os profissionais de saúde quanto as autoridades, e, em novembro de 2015, a epidemia foi alçada à condição de “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional” (ESPIN). Naquele momento, a mídia coroou a epidemia como parte de sua agenda e, durante os primeiros meses após o início do surto, o assunto figurava na pauta de todas as grandes emissoras do país. Foram realizadas inúmeras reportagens sobre as mulheres cuidadoras e seus filhos, sobre o abandono paterno, sobre o atendimento em consultas e terapias. O ponto crítico da epidemia era a microcefalia e outros sintomas que vinham sendo identificados nos recém-nascidos afetados, como dificuldade para deglutir e conter a saliva, distúrbios oftalmológicos, motores e cardíacos, além de uma série de sintomas específicos a cada caso.

Com a declaração de emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS), em fevereiro de 2016, o fenômeno brasileiro ganhou os noticiários internacionais e uma nova onda de interesse com relação à epidemia surgiu. Pousaram no Nordeste do país os mais variados atores interessados em compreender e documentar a epidemia: desde jornalistas equipados com suas câmeras e gravadores até representantes de organizações não governamentais internacionais, como a Human Rights Watch. Esse momento de efervescência gerou uma mobilização da opinião pública e resultou em pressões sobre as autoridades: as pessoas queriam saber o que o “Governo” ia fazer a respeito daquilo e de quais estratégias lançaria mão para conter a epidemia.

Uma das primeiras respostas elaboradas pelo Estado foi a de simplificar o acesso de famílias afetadas pela epidemia ao Programa Minha Casa, Minha Vida, projeto habitacional que tem como objetivo facilitar a aquisição de habitações por pessoas em situação de vulnerabilidade econômica. Podem participar do programa famílias com renda bruta mensal de até três salários mínimos, e os candidatos beneficiados são selecionados por meio de sorteio. Na etapa posterior são cobradas prestações de 5% da renda líquida mensal da família para cobrir o financiamento do imóvel.

A proposta do Ministério das Cidades para as famílias envolvidas no contexto da epidemia do vírus Zika foi a de facilitar o acesso ao programa em duas frentes: em primeiro lugar, essas famílias não precisariam passar por sorteio para terem acesso ao benefício, e, em segundo lugar, teriam parcelas de pagamento menores do que o valor usual de 5% da renda bruta. A medida foi oficializada por meio da Portaria nº163, de 14 de julho de 2016, durante ato solene realizado no Palácio do Planalto com a presença do então Ministro das Cidades, Bruno Araújo. A estratégia, apesar de ter sido elaborada em um cenário que exigia celeridade de resposta e ação, parece não estar sendo aplicada com a rapidez que a conjuntura demanda: são poucos os relatos de famílias que já estão instaladas nas casas.

Marta, por exemplo, é uma jovem de 23 anos, mãe de três filhos: Mauro, de cinco anos, Rodrigo, de quatro, e o pequeno Dante, de dois, que foi diagnosticado com a Síndrome Congênita do Zika vírus. Marta aguarda na lista de espera do programa desde meados de 2016. Para conseguir se registrar como candidata à casa, teve que passar por várias etapas da burocracia. Além dos documentos assinados para comprovar renda, também lhe foi exigido um laudo médico de difícil acesso, que atestasse não só o diagnóstico de microcefalia de Dante, como também indicasse que sua microcefalia está associada ao Zika vírus. Além disso, Marta se mudou do local onde morava com a mãe no Recife para um novo endereço em Jaboatão dos Guararapes, Município vizinho, onde há promessas de construção e entrega de casas no bojo do Programa Minha Casa, Minha Vida.

Devido à demanda de cuidado dos três filhos, Marta está formalmente desempregada. Enquanto a moradia financiada pelo programa não é liberada, precisa pagar o aluguel a preço de mercado e tem mantido a casa por meio do benefício de prestação continuada que recebe em nome do filho caçula, de doações e da pensão que recebe do pai de um dos filhos.

O acesso ao programa sem dúvida simplificaria ao menos um pouco a rotina tão intensa de Marta, mas, com o progressivo desaparecimento da epidemia da pauta nacional e da agenda da mídia, no entanto, o grau de comoção e de pressão da opinião pública diminuiu consideravelmente, tornando todo o processo de acesso a direitos ainda mais lento do que se encontrava no início da epidemia.

Essas mulheres agora se encontram sozinhas na linha de frente para fazer valer os direitos de seus filhos, e por isso é essencial que se abram espaços de visibilização que permitam gerar pressão sobre assuntos que vêm sendo seletivamente ignorados, como é o caso da priorização das famílias afetadas pela epidemia do Zika, em Pernambuco, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida.



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